sábado, 18 de dezembro de 2010

na noite de minha glória invoquei derrotas
que a golpear vieram quase à porta do templo
onde meu corpo sem peso liberto cuspia alfândega
de luzes saídas de cada cicatriz aberta ainda
e vi em ronda o que não tive
o que perdi (o quê mantive?), e o que nunca saberei
a mãe veio, o pai olhou-me
o amor, possivelmente também, quis chegar-se a mim
mas ele teve outros compromissos que não eu

em verdade, estava eu só, com as dezenas de pares de olhos
reconhecidos, olhando-me a aparente (inglória) lucidez

ó quantas dores sentia eu na extremidade dos membros
doía-me hérnia e alma, mas estava eu calmo
como um paciente terminal doente de vida
[sim]
a obra existe e a ficção da vida se esvai

sábado, 6 de novembro de 2010

II Fragmento - Através

II


em verdade a palavra em mim inicia
anuncia o campo preparado para a colheita
do que depois será voz módulo estéreo
amperagem processada ou imagem gráfica
digitalizada tridimensional ou como queiram
ou possam traduzir-me do incêndio
que ateei no desvão de minha memória já agora
cinza de rescaldo sem aparato de onde surja
o pássaro fênix ressurgido que eu repudio
para não reeditar e reeditar entradas e entradas
até que inexistam saídas
saída para o que eu errei e tudo torne
saída para o que silenciei e tudo torne
saída para o que me mate e tudo torne
existindo porque e não através de
como fosse negligência das escolhas
que realizei durante a viagem
de meu corpo finitude

IX Fragmento - Através

IX


de frenesi tomado círio a caminho
de velórios ou rosto da noite do mundo
eu vim através do opaco
pela escuridão sem candelabro
de espírito pertencido ao sol
em corpo negro negro negro não como o vazio
ou abismo que são claros de onde os vejo
debaixo da pálpebra mas facho lentamente lume
como de carneiros a respiração
num poro de pele soasse
negro negro evadido do brilho falso brilhante
da cisma de relâmpago na pupila preso em fagulha

devanear é do poema fundamento
as sarjetas da insônia; berço
o poeta de ruínas; voz

da sacristia lua ainda rumor espreita
sol diurno engolfando a praia del chifre
(motivo é apêndice ou silêncio
se o poema não gritar cicatrizes
guardando o íntimo)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

rimas fáceis ritmo ternal

a musical mensagem metafórica

o diafrágma mais que a palavra

a palavra ornada de amestista

escrita com bisturís nos torsos

investigando omoplatas trincadas

?eis a poesia aos que hão de vir...

cantada pelo pop star ou descrita

pelo cirurgião dos corpos perfeitos?


tenho adiado meu sono

com essas febres e alguma vigília


tenho me perdido de mim

agachado pelos campos minados


e amado as mulheres sem entregas.


ó címbalos que desprezo

porque é roxo e não azul o pássaro

e não é pássaro mas dragão

o que de asas sobrevoa-me

sexta-feira, 26 de março de 2010

DOIS POEMAS SOBRE SILÊNCIOS - Rogério Generoso

1.
Façamos silêncio. Multidão de silêncios.
Assim, silenciosamente, ouçamos o Poeta
e não nos calemos ao barulho das coisas
ao movimento das ruas ao cinema americano
ao estadista tirano aos cadáveres surgidos
sem crime ou castigo ao sol golpeando geleiras
madeiras e ossos, mesmo quando é de noite
por um buraco de agulha aberto no céu.
Façamos silêncio em memória de apodrecidos
indigentes rastejando ainda: Ó morte
que não vens higienizar com vinagre, escuridão
e um dia sem dor, tanta gente moribunda!
Façamos silêncio.
Não nos calemos.
Ouçamos o Poeta.
2.
Então é isto: diante da multidão de natimudos atentos
uma voz será ouvida e acenderá como um fogo
limpo azulado, os túneis escuros debaixo das terras
sem pássaros.
E tenaz
a voz amplificar-se-á; atribuindo um mar furioso
vomitando garrafas às gargantas cruas
de homens sem rosto.
Então é isto? todos esperam a profecia advinda
da agonia de um mortivivo poeta com os dedos
da mão esquerda amputados e a flora intestinal extinta?
todos querem a revolução começando pela voz
de um poeta, pela vigilia de um poeta...
eles não sabem a desesperança do poeta.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Sobre as limitações do Poeta, a Musa e suas transparências - rogério generoso

sim, é preciso dançar; tu me lembras com teu agudo rodopio
tornando vento o ar sem peso e calmo de tardes amenas
sim, é preciso voar; assim como tuas asas agitadas acordando
anjos de ouro tecidos, intimidados com tuas transparências
sim, é preciso o amor; aquele que distribuis ao teu irmão
ao teu amigo e teu amante; sem nódoas e limpo e sem esperas

como poeta, meu verso culmina em apascentar estrelas
nos campos laranja e tornar jardim os lamaçais e pântanos
e simulacro tudo que envide a velha infância e cegueira
como poeta meu verso termina quando inicias a manhã
e meu silêncio ameniza as limitações semânticas
quando estais do outro lado da tarde e não te alcança
senão a lembrança da memória viva que tenho

rios cubram várzeas, evolem águas
deuses possuam virgens e feneçam
mundos expludam e renasçam olvidados
e cresça o amor e morra o poeta que nada sabe
do que alardeia, se ele uiva à noite sem musa
acompanhado de vinho e absinto: e viva
o que seja sem nódoas, limpo e sem esperas

ALEATÓRIO - rogério generoso

roçando a cabeça no céu
vagabundos apodrecem suas entranhas
nas calçadas mijadas e criancinhas dançando
passam ao lado ainda de tubinho e sapatilhas
alheias como ilhas da terra firme
o lago do grande mar ou
o que há dentro do que há fora
(...)
à noite destinadamente só
e as paredes do quarto cinza esperando azuis
ouço me chamar uma voz triste de poema desamparado
e eu preciso os indícios do outono
em mil páginas vencer
!seria belo não fosse inútil como a dúvida do céu
ou o sorriso de Monalisa