sexta-feira, 26 de março de 2010

DOIS POEMAS SOBRE SILÊNCIOS - Rogério Generoso

1.
Façamos silêncio. Multidão de silêncios.
Assim, silenciosamente, ouçamos o Poeta
e não nos calemos ao barulho das coisas
ao movimento das ruas ao cinema americano
ao estadista tirano aos cadáveres surgidos
sem crime ou castigo ao sol golpeando geleiras
madeiras e ossos, mesmo quando é de noite
por um buraco de agulha aberto no céu.
Façamos silêncio em memória de apodrecidos
indigentes rastejando ainda: Ó morte
que não vens higienizar com vinagre, escuridão
e um dia sem dor, tanta gente moribunda!
Façamos silêncio.
Não nos calemos.
Ouçamos o Poeta.
2.
Então é isto: diante da multidão de natimudos atentos
uma voz será ouvida e acenderá como um fogo
limpo azulado, os túneis escuros debaixo das terras
sem pássaros.
E tenaz
a voz amplificar-se-á; atribuindo um mar furioso
vomitando garrafas às gargantas cruas
de homens sem rosto.
Então é isto? todos esperam a profecia advinda
da agonia de um mortivivo poeta com os dedos
da mão esquerda amputados e a flora intestinal extinta?
todos querem a revolução começando pela voz
de um poeta, pela vigilia de um poeta...
eles não sabem a desesperança do poeta.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Sobre as limitações do Poeta, a Musa e suas transparências - rogério generoso

sim, é preciso dançar; tu me lembras com teu agudo rodopio
tornando vento o ar sem peso e calmo de tardes amenas
sim, é preciso voar; assim como tuas asas agitadas acordando
anjos de ouro tecidos, intimidados com tuas transparências
sim, é preciso o amor; aquele que distribuis ao teu irmão
ao teu amigo e teu amante; sem nódoas e limpo e sem esperas

como poeta, meu verso culmina em apascentar estrelas
nos campos laranja e tornar jardim os lamaçais e pântanos
e simulacro tudo que envide a velha infância e cegueira
como poeta meu verso termina quando inicias a manhã
e meu silêncio ameniza as limitações semânticas
quando estais do outro lado da tarde e não te alcança
senão a lembrança da memória viva que tenho

rios cubram várzeas, evolem águas
deuses possuam virgens e feneçam
mundos expludam e renasçam olvidados
e cresça o amor e morra o poeta que nada sabe
do que alardeia, se ele uiva à noite sem musa
acompanhado de vinho e absinto: e viva
o que seja sem nódoas, limpo e sem esperas

ALEATÓRIO - rogério generoso

roçando a cabeça no céu
vagabundos apodrecem suas entranhas
nas calçadas mijadas e criancinhas dançando
passam ao lado ainda de tubinho e sapatilhas
alheias como ilhas da terra firme
o lago do grande mar ou
o que há dentro do que há fora
(...)
à noite destinadamente só
e as paredes do quarto cinza esperando azuis
ouço me chamar uma voz triste de poema desamparado
e eu preciso os indícios do outono
em mil páginas vencer
!seria belo não fosse inútil como a dúvida do céu
ou o sorriso de Monalisa