1.
Façamos silêncio. Multidão de silêncios.
Assim, silenciosamente, ouçamos o Poeta
e não nos calemos ao barulho das coisas
ao movimento das ruas ao cinema americano
ao estadista tirano aos cadáveres surgidos
sem crime ou castigo ao sol golpeando geleiras
madeiras e ossos, mesmo quando é de noite
por um buraco de agulha aberto no céu.
Façamos silêncio em memória de apodrecidos
indigentes rastejando ainda: Ó morte
que não vens higienizar com vinagre, escuridão
e um dia sem dor, tanta gente moribunda!
Façamos silêncio.
Não nos calemos.
Ouçamos o Poeta.
2.
Então é isto: diante da multidão de natimudos atentos
uma voz será ouvida e acenderá como um fogo
limpo azulado, os túneis escuros debaixo das terras
sem pássaros.
E tenaz
a voz amplificar-se-á; atribuindo um mar furioso
vomitando garrafas às gargantas cruas
de homens sem rosto.
Então é isto? todos esperam a profecia advinda
da agonia de um mortivivo poeta com os dedos
da mão esquerda amputados e a flora intestinal extinta?
todos querem a revolução começando pela voz
de um poeta, pela vigilia de um poeta...
eles não sabem a desesperança do poeta.