terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

CARTA DE UM POETA MORTO

Eu, poeta póstumo
breve infinito
deus doente de vísceras expostas
aos pedaços etc etc etc
desci ao salão de ossos; ante-sala
dos infernos de mim mesmo:
da vida fechada para balanço
da vida jogada em máquinas eletrônicas
e engoli fumaça negra de fábricas
enquanto recitava alto
meu canto azul desnorteado
em linhas de montagem com o frescor
de lírio no álamo.

Eu, que às vezes, amei mediocremente
não sei porque ainda recordo a íra
com que vieram contra mim; que ainda
recordo o amor que faltou para mim
que andei desgarrado e preso também
no fogo no tédio no sono.

Hoje, acordo denso e morto
à espera do silêncio definitivo
(os que ainda vivem, desapareceram
como rebanho de ventos
no último dia do século).
Quando ouvi isso
era como se mortificado
não pudesse afundar no silêncio
ali mesmo. Nem suportar tudo de novo;
outro dia outra infância.
Nem enfrentar algo novo
por envelhecido e com medo
de estar-me vivo apodrecendo
até o fim de tudo.

Um comentário:

  1. Rogério, parabéns pela fortaleza de uma poesia visceral, pela sensibilidade e destemor.
    Abraço fraterno - e que a Poesia sobreviva ao inverno da solidão, através da vida recriada por uma leitura.
    Verônica

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