domingo, 1 de fevereiro de 2009

LAURENT (a meu filho, Laurent) parte I


Existir de que valeria
se não houvesses do amor
nascido, em infinito gozo
e no maior encanto?
Que pátria velaria eu
que mãe amaria eu
se da entranha delas
por mim amadas
não me viesses
Ser amado?

Em mim
incêndio do incêndio
eu me consumiria
noite da noite de eras
sem-fim, se não acontecesse
depois da última chuva
o teu sereno rosto
irromper luz de lamparina
em minha solidão
de tarde de outono

A represa da memória
nomeia o dia do século
de onde deixaste o casulo
no esforço de pássaro
santo ou inocente
a frequentar o céu
acima dos vaga-lumes
mirando os lírios brancos
os crustáceos em viveiros, e moças
de pernas enfiadas na lama

A tua notícia
foi evangelho as minhas páginas
a tua canção descobriu sons
olvidados em meu silêncio
(poemas carcomidos, doendo
nulos em caracteres aluminios
de letárgicas tipografias)
e me vi teu sósia, quando
estilhaçou-me os tímpanos moucos
teu choro alto a frequentar-me

O tempo a caiar-me os cabelos
perdeu seu trabalho de tempo
por causa do teu nome
e por ele cessou a sombra
que a solidão me condenara:
cessaram as perdas.
E tudo foi-me acrescentado
e tudo que me vencia
vencido estava, por dentro
por fora, por todos os lados

Há um diálogo aceso
entre mim e a tua inocência
como uma orquídea
e a mão que a cuida
de noite e de dia;
não só a planta, mas
a água e o húmus
a terra e o entorno
e desse cuidar, enfim
elaborá-se a beleza

Há uma voz e um silêncio
suspensos no espaço
em câmaras de eco
pelo fio-tempo (conduites
da energia que nos soma
e traduz nesse curvo lugar)
e ainda mais tenso
nasce o verso de agora
sob a lua da última rua
aonde estás, e, eu não mais

O rio que passa por detrás
da tua casa, desagua
antes do mar, na memória
intacta da minha retina;
passa por detrás
da tua casa, e abriga
além do peixe, a eternidade
das marés, no ir e vir
de procissões líquidas
a marejar meus olhos áridos.

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