quinta-feira, 21 de abril de 2011

Janeiro & les affects

Janeiro & les affects - Rogério Generoso


Encantatória verdade ou insônia que vige
vigília vespertina, guarda janeiro junto
a manguezal que antecipa domingos
em sábados cisterna sem manancial.
Apodrece janeiro
lascívia de membros cegos
em asilo amontoa infâncias senis
e ladainhas cria, preparando ao meio-dia
o nome nu da amada, libidinoso uivo
que enverga torso e omoplata
ao imo da minúscula floresta de negro púbis.
Janeiro é cimo abismo, claridade
de sombra povoado, alçapão da memória
de minhas mãos percorrendo les affects
de instância acrobática ereta
de eleatas pulsões e maiêuticas corpóreas.
Janeiro que inicia calendários [e meu fim]
que anuncia carnavais [fevereiro ou março]
onde me abandono e vou à íntima noite
onde me sequelo em volúpia de vulva
com ração de tremores agitando-a.
Janeiro recifense de motocolombó vencida a pé
e o rio Jordão embaixo ávido de suicidas
do dia primeiro, do dia seis [sem reis]
da inutilidade do eterno sem a seda do instante.
Sem janeiro [resta] a vontade de morrer
fragmentos de poemas, oscilações do ritmo
nacos de câimbra, rosto opaco, papéis amarelados
medicações de tarja preta, bulas em mandarim
e óbices insuperáveis.
Rec. Abril 2011

sábado, 16 de abril de 2011

ESTÉTICA DA POESIA MODERNA

A ESTÉTICA DA POESIA MODERNA
(Oque torna moderna a poesia moderna?)
Rogério Generoso




Quando o mundo era um todo dado pela natureza, estava o homem cercado por uma diversidade de vidas desconhecidas. Estava ele diante da terra, do céu, do sol, dos rios e mares, das flores, dos animais, das montanhas, das cavernas, das rochas, desertos, oásis, ilhas, regatos, árvores, vulcões, tremores de terra, etc. Um mundo admirável! Estava ainda exposto aos sonhos, às idéias, às emoções, à imaginação. Estava ele diante dele mesmo, e de seu semelhante. Quanto êxtase! Eram personagens divinas, cuja história os poetas narravam.

O homem, único herói capaz de conhecer e modificar toda aquela realidade. E foi balbuciando que flagrou a poesia, inventando a linguagem enquanto se deslumbrava com o ofício dos deuses da vida: o nascimento da poesia. Escutemos a voz do poeta grego: “Chegou a aurora, mostrando seus dedos rosados entre a névoa matinal...” (Homero).

Os precursores da poesia moderna estavam no início dos tempos; a ciência não estava desenvolvida. O fim da arte é imitar perfeitamente a Natureza, mas eram cônscios de que não podiam criar a vida verdadeiramente. Para Aristóteles as causas que deram origem à poesia foram o prazer em imitar e aprender. O poeta se apropriava de um modo de ser, de sentir e de pensar. “O poeta deve falar em seu nome o menos possível, pois não é nesse sentido que é um imitador”. Foi por esse caminho que o homem deu início à apreciação estética, mas não foi por aqui que ele ficou. Outros elementos entraram nessa consideração. O grego aceita as sensações e a vida, e as subordina a uma disciplina intelectual. “A beleza, a harmonia, a proporção não eram, para os gregos, conceitos de sua inteligência, mas disposições íntimas da sua sensibilidade”, constata Fernando Pessoa.

Perante a estética, o poema tem por fim só uma finalidade: criar a beleza. Os seus instrumentos de criação são as idéias, as emoções, a imaginação. No entanto, a construção do poema moderno nos trouxe outros elementos inovadores que interferiram na realidade social do poema, através de uma metáfora criativa, imitando a vida enquanto deformando-a. Outras faculdades viriam para flagrar uma nova estética da sensibilidade. A subjetividade ganhava o caráter do poeta; a erudição, a sua vida; a harmonia desconhecida, intuitiva, fenomenológica. O poeta possuía a seu favor a memória; a faculdade de inventar, de prever, de persistir e de designar. Para tanto podemos ver em “A Desumanização da Arte”, um ensaio em dimensões filosóficas de Ortega, onde ele busca o sentido dos novos propósitos artísticos, sua intenção. Os fundamentos dessa nova sensibilidade, que está voltada para a interioridade do poeta, seu contexto, sua história, sua memória, seu modo peculiar de sentir a vida por ele mesmo. A presença do “eu” categórico.


“O que torna moderna a poesia moderna?”

Avesso ao didatismo e ao jargão acadêmico, é preciso compreender a verdade da poesia moderna, que não significa fazê-lo por meio de preceitos ou categorias totalizadoras, mas antes surpreender suas características mais marcantes em meio aos conflitos artísticos e existenciais que perpassaram a história do século 20;. nesse contexto, a figura emblemática de Baudelaire aparece como uma espécie de foco irradiador, ao passo que Rimbaud e Mallarmé figuram como pólos tensionadores, opostos entre si, e eqüidistantes da matriz baudelairiana. Se Rimbaud pretendia “recriar o mundo pelo poder de sua imaginação”, levando adiante o sentimento de “implacável rejeição à ordem burguesa e capitalista”, presente em Baudelaire, Mallarmé “simplesmente depreciava essa miragem brutal, a cidade, seus governos, a lei”, absolutizando a “doutrina que considera o ato de escrever poesia uma atividade autônoma e autotélica”, também preconizada pelo autor de Fleurs du Mal.

Se o reconhecimento desta contradição originária do poeta moderno leva-nos a constatar que “até mesmo depois do Simbolismo, Imagismo, Futurismo, Expressionismo, Surrealismo e da nova Poesia Concreta, não apenas os críticos e os leitores, mas também os poetas continuam divididos sobre aquelas perguntas a que Baudelaire não pôde dar uma resposta inequívoca”; cada poema moderno reatualiza a problemática baudelairiana. Assim, que a verdade da poesia moderna “deve ser encontrada não apenas em suas afirmações diretas, mas em suas dificuldades peculiares, atalhos, silêncios, hiatos e fusões”, ensejando a adoção de uma perspectiva comparativa, capaz de articular e matizar tendências abarcadas pelo recorte proposto.

“Carta dita do Vidente” (Rimbaud a Paul Demeny) assim inicia: “Resolvi lhe dar uma hora de literatura nova...”; “Eis alguma prosa sobre o futuro da poesia...”; “há letrados, há versificadores. De Ennios a Theroldus, de Theroldus a Casimir Delavigne, tudo é prosa rimada, um jogo, amolecimento e glória de incontáveis gerações idiotas: Racine é o puro, o forte, o grande – Se tivessem soprado nas suas rimas, misturados seus hemistíquios, o Divino Bobo seria hoje tão desconhecido quanto o primeiro autor de “Origens”. Depois de Racine o jogo embolora. Durou dois mil anos.”; “Pois EU é um outro. Se o cobre desperta clarim, não é por sua culpa. Isso me é evidente. Assisto ao nascimento do meu pensamento: eu o olho; eu o ouço; faço um movimento com o arco: lanço um toque de violino; a sinfonia faz seu movimento no abismo, ou de um salto surge na cena. Se os velhos imbecis não houvessem encontrado do EU apenas a significação falsa, não teríamos de varrer estes milhões de esqueletos, que há um tempo infinito, acumularam os produtos de sua inteligência caolha, proclamando-se autores!”; “O primeiro estudo do homem que quer ser poeta é o seu próprio conhecimento, inteiro; ele procura a sua alma, a inspeciona, a tenta, a aprende. Quando a sabe, deve cultivá-la; isto parece simples: em todo cérebro há um desenvolvimento natural; tantos egoístas se proclamam autores...”; “Digo que é preciso ser vidente, se fazer vidente.

O poeta se faz vidente por meio de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura ele mesmo, ele esgota nele todos os venenos, para só guardar as quintessências. Indizível tortura na qual ele precisa de toda fé, de toda a força humana, onde ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito – o supremo sábio – Pois ele chega ao desconhecido! Porque ele cultivou a sua alma, já rica, mais do que nenhum! Ele acabaria por perder a inteligência de suas visões, ele as viu! Que ele morra no seu salto pelas coisas incríveis e inomináveis: chegarão outros horríveis trabalhadores; eles começaram pelos horizontes onde o outro se curvou!”


OUVIDA DE POETAS

Deve-se, ainda, ouvir Fernando Pessoa a respeito de estética na Poesia: “Os homens não apreciam só esteticamente, apreciam segundo toda sua constituição moral. Por isso, cousas grosseiras, impuras, lhes desagradam, não na parte estética, mas na parte moral que não podem mandar embora de si.” O crítico literário Michael Hamburguer nos diz: “Todo poeta moderno digno de ser lido contém um antipoeta, assim como todo antipoeta moderno digno de ser lido contém um poeta romântico-simbolista. Quanto mais amplo e carregado for o campo de tensão entre eles,maiores serão as potencialidades de realização e progresso de um poeta.” Nos parece que superar a dicotomia romântico-simbolista, no campo dos “eus” poético e social, intervindo com sensibilidade, e uma liberdade livre na hora da realização do poema, será uma das condições imprescindíveis para uma poesia moderna estar presente na obra de um poeta.

Ouçamos o Poeta Vital Corrêa de Araújo: “Um poeta, verdadeiramente, nunca está em seu juízo perfeito, desfrutando plenamente da chamada razão prática, estabilidade emocional ou frieza de caráter, aridez lírica, estupidez cônica, mas possuído de visões estranhas e evasões para longe do mundo da usura ou dos negócios verbais escusos.”; “A palavra poética é plurívoca e ambivalente, obedece a uma lógica que ultrapassa os limites ridículos da lógica comum do discurso, e essa lógica rebelde só se realiza fora da cultura oficial vigente, no momento da eclosão do poema”; “A poesia não está na mensagem, mas na forma da mensagem.” E sobre Vital Corrêa nos fala Cláudio Veras: “Tantas gerações goraram e outras bem que marcaram o ambiente, episódicas ou completas, mas poesia, com esse timbre, essa dicção selvagem, esse revolver de sintagmas era ainda inédita. E não se trata de vanguarda, pois nada, a não ser o vazio acompanha sua trajetória, e nada, a não ser o abismo,devorador e urgente, vem antes (veio de futuro vital veio) e nada está por vir ainda, a não ser os que sigam a rica senda vital aberta...” Sébastien Joachim proclama: “O projeto de escritura de Vital Corrêa de Araújo intentaria então desbanalizar certa poesia que está em moda e que não passa de uma des-textualização com pretensão de textualidade. Na escuridão de sua viagem
iniciática, almejaria a singularidade de re-encontrar uma pedra filosofal perdida. Mas é quase impossível encarar na tradição hermenêutica a formação discursiva de pertencimento desse conjunto de textos. Ele arrola poetas e filósofos de várias épocas, e em filigrana se percebe um leque de conhecimentos científicos e tecnológicos díspares, de ontem e de hoje. (Em suma, o objetivo de VCA é derrubar o significado). Desafiadoramente, desfilam na poesia de VCA, em sua Nova Aliança diria Ila Priogogine: Heráclito, Platão, Hegel, Kant, Shoppenhauer, Nietzsche, Heidegger, Deleuze, Baudelaire, Alfred de Vigny, Leconte de Lisle, Mallarmé, R.M. Rilke.” E ainda o crítico literário César Leal: “Vital Corrêa de Araújo confirma a regularidade do ritmo que tem feito dele o poeta pernambucano com maior domínio sobre o verso livre. Em Vital Corrêa de Araújo é preciso estar atento a outros temas fundamentais da teoria do poema. Não se deve fixar a análise apenas nas teorias de um determinado autor. Seu universo poético é polivalente e ele exige observações que cheguem além dos limites dos ciclos vitais e da própria técnica do verso. Nele é preciso estar atento ao poder criador de imagens. Isso é fundamental, porque sem imagens não pode existir verdadeira poesia.




APPROACH CRÍTICO



A questão crucial do ritmo poético (que se confunde com o metro e rima) é explicitada e resolvida por Octavio Paz.

“O poema apresenta-se como um círculo ou uma esfera: algo que se fecha sobre si mesmo, universo autosuficiente (autônomo não automático) e no qual o fim é também um princípio que volta, se repete e se recria (cria cria). E esta constante repetição e recriação não é senão o ritmo, maré que vai e que vem, que cai e levanta.”

“Em si mesmo, o metro é medida vazia de sentido. O ritmo, pelo contrário, jamais se apresenta sozinho; não é medida, mas conteúdo qualitativo e concreto. Todo ritmo verbal contém já em si mesmo a imagem e constitui, real ou potencialmente, uma frase poética completa.”

“Os metros são históricos, enquanto o ritmo se confunde com a própria linguagem. Esgotados os poderes de convocação e evocação da rima e do metro tradicionais, o poeta, para ser coerente e ir à poesia, remonta a corrente, em busca da linguagem original, anterior à gramática (edênica sintaxe). E encontra o núcleo primitivo: o ritmo.” (de Os signos em Rotação – Octavio Paz).


Em outro trecho da mesma obra, o lúcido e cristalino e profundo Octavio Paz reza.

O poema transcende e é linguagem, e linguagem antes de ser submetida à mutilação da prosa ou da conversação – mas é também mais alguma coisa. E esse algo mais é inexplicável pela linguagem, embora se possa ser alcançado por ela.”

“A poesia é linguagem voltada sobre si mesma (como um oroboro de signo) que diz o que por natureza parecia escapar. O dizer poético diz o indizível.”

Em síntese, Paz considera a prosa ou a fala como degradação da linguagem, e a poesia como algo originário e superior.

Se o ritmo é inessencial para a prosa, mas ao mesmo tempo é o elemento mais antigo (alicerce) da linguagem, esta nasceu como poesia e degradou-se em prosa.

A inefabilidade da poesia leva ao indizível e ao mistério, porque não serve para “dizer” nem pode ser racionalmente apreendida, quantificável, reduzida.

Eliot é impecável quando afirma que “a poesia começa com um selvagem batendo um tambor numa selva escura, e ela retém essa essência de percussão e ritmo, de modo que, pode-se dizer, o poeta é mais velho (mais edênico) do que o escritor comum”.


SUMA

Tive em mãos – ao alcance delas – os originais de Ora Pro Nobis Scania Vabis, e meus olhos caminharam por bandejas de páginas tintas de poesia como um fogo sagrado queimando velhos aparatos discursivos. Mais ainda, tomei a ciência sublime de estar sendo o primeiro a verificar – neste imenso painel imagético – a causa de Vital em prol da verdadeira poesia. Vital Corrêa de Araújo avança impetuoso contra a fadiga do metro e a opulência tecnicista do método. Sua ágil palavra poema nascida no id atualiza o poeta como um ser inútil às commodities literárias estabelecidas e até mesmo ao seu tempo, que o desconsidera, para assim, não considerar sequer a hipótese da existência de palavra tão dissonante e estranha à linha de montagem da fábrica Poesia S/A.

Ao leitor digo: é preciso estar-se nu, sem as vestes seculares que ocultaram o corpo da poesia e sua beleza de dorso e de alma, para comungar no lume e embaixo e dentro e longe do lugar-comum, ao que Vital Corrêa de Araújo desencadeia em Ora Pro Nobis Scania Vabis.



Rogério Generoso
Poeta, expositor em cursos
de Iniciação à Poesia Moderna

sábado, 18 de dezembro de 2010

na noite de minha glória invoquei derrotas
que a golpear vieram quase à porta do templo
onde meu corpo sem peso liberto cuspia alfândega
de luzes saídas de cada cicatriz aberta ainda
e vi em ronda o que não tive
o que perdi (o quê mantive?), e o que nunca saberei
a mãe veio, o pai olhou-me
o amor, possivelmente também, quis chegar-se a mim
mas ele teve outros compromissos que não eu

em verdade, estava eu só, com as dezenas de pares de olhos
reconhecidos, olhando-me a aparente (inglória) lucidez

ó quantas dores sentia eu na extremidade dos membros
doía-me hérnia e alma, mas estava eu calmo
como um paciente terminal doente de vida
[sim]
a obra existe e a ficção da vida se esvai

sábado, 6 de novembro de 2010

II Fragmento - Através

II


em verdade a palavra em mim inicia
anuncia o campo preparado para a colheita
do que depois será voz módulo estéreo
amperagem processada ou imagem gráfica
digitalizada tridimensional ou como queiram
ou possam traduzir-me do incêndio
que ateei no desvão de minha memória já agora
cinza de rescaldo sem aparato de onde surja
o pássaro fênix ressurgido que eu repudio
para não reeditar e reeditar entradas e entradas
até que inexistam saídas
saída para o que eu errei e tudo torne
saída para o que silenciei e tudo torne
saída para o que me mate e tudo torne
existindo porque e não através de
como fosse negligência das escolhas
que realizei durante a viagem
de meu corpo finitude

IX Fragmento - Através

IX


de frenesi tomado círio a caminho
de velórios ou rosto da noite do mundo
eu vim através do opaco
pela escuridão sem candelabro
de espírito pertencido ao sol
em corpo negro negro negro não como o vazio
ou abismo que são claros de onde os vejo
debaixo da pálpebra mas facho lentamente lume
como de carneiros a respiração
num poro de pele soasse
negro negro evadido do brilho falso brilhante
da cisma de relâmpago na pupila preso em fagulha

devanear é do poema fundamento
as sarjetas da insônia; berço
o poeta de ruínas; voz

da sacristia lua ainda rumor espreita
sol diurno engolfando a praia del chifre
(motivo é apêndice ou silêncio
se o poema não gritar cicatrizes
guardando o íntimo)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

rimas fáceis ritmo ternal

a musical mensagem metafórica

o diafrágma mais que a palavra

a palavra ornada de amestista

escrita com bisturís nos torsos

investigando omoplatas trincadas

?eis a poesia aos que hão de vir...

cantada pelo pop star ou descrita

pelo cirurgião dos corpos perfeitos?


tenho adiado meu sono

com essas febres e alguma vigília


tenho me perdido de mim

agachado pelos campos minados


e amado as mulheres sem entregas.


ó címbalos que desprezo

porque é roxo e não azul o pássaro

e não é pássaro mas dragão

o que de asas sobrevoa-me

sexta-feira, 26 de março de 2010

DOIS POEMAS SOBRE SILÊNCIOS - Rogério Generoso

1.
Façamos silêncio. Multidão de silêncios.
Assim, silenciosamente, ouçamos o Poeta
e não nos calemos ao barulho das coisas
ao movimento das ruas ao cinema americano
ao estadista tirano aos cadáveres surgidos
sem crime ou castigo ao sol golpeando geleiras
madeiras e ossos, mesmo quando é de noite
por um buraco de agulha aberto no céu.
Façamos silêncio em memória de apodrecidos
indigentes rastejando ainda: Ó morte
que não vens higienizar com vinagre, escuridão
e um dia sem dor, tanta gente moribunda!
Façamos silêncio.
Não nos calemos.
Ouçamos o Poeta.
2.
Então é isto: diante da multidão de natimudos atentos
uma voz será ouvida e acenderá como um fogo
limpo azulado, os túneis escuros debaixo das terras
sem pássaros.
E tenaz
a voz amplificar-se-á; atribuindo um mar furioso
vomitando garrafas às gargantas cruas
de homens sem rosto.
Então é isto? todos esperam a profecia advinda
da agonia de um mortivivo poeta com os dedos
da mão esquerda amputados e a flora intestinal extinta?
todos querem a revolução começando pela voz
de um poeta, pela vigilia de um poeta...
eles não sabem a desesperança do poeta.